Neocolonização


Um estudo encomendado pela Nasa, divulgado em 2014, destaca a possibilidade de a nossa civilização entrar em colapso devido à exploração insustentável de recursos naturais e a desigualdade na distribuição das riquezas (1). Alterações climáticas extremas (inverno intenso na América do Norte, calor intenso na América do Sul e Austrália), superpopulação (segundo a ONU, o crescimento da população está estimado em 80 milhões de pessoas por ano, podendo chegar a 9,1 bilhões em 2050) e a escassez de água e energia são fatores determinantes para o colapso. Além disso, a desigualdade crescente entre ricos e pobres contribui para acelerar esse processo (segundo um relatório da Oxfam, divulgado também em 2014, as 85 famílias mais ricas do mundo possuem um patrimônio igual ao da metade da população mundial). Como a população mundial tende a crescer, a desigualdade social também irá aumentar e, em razão disso, as tensões sociais serão inevitáveis. O cenário será mais ou menos este: o alto consumo de recursos naturais por parte das elites vai excluir a maioria da população ao acesso a esses bens, restando aos pobres apenas algumas migalhas que serão necessárias para a sua sobrevivência; por efeito, os que produzem a riqueza consumida pelas elites simplesmente irão colocar em risco a acumulação capitalista por meio de revoltas, greves, protestos, levando, então, toda a civilização à sua grande crise. Portanto, parece ser óbvio que uma melhor distribuição de renda e uma grande redução do consumo de recursos naturais seriam a melhor solução para impedir o colapso do atual modelo socioeconômico. Entretanto, sabemos que essa “mudança de atitude” não irá surgir enquanto a humanidade continuar a ser escrava do seu consumo excessivo de bens em busca de prazeres. A esperada “mudança de atitude” é completamente contrária ao capitalismo, pois sua sobrevivência depende da exploração de recursos naturais de modo desenfreado – por meio disso, novos mercados são criados e sua morte é, temporariamente, afastada. Na América do Sul existem recursos naturais que são absolutamente indispensáveis para a sobrevivência do capitalismo, como, por exemplo, as reservas de água: o Aquífero Alter do Chão, localizado no Brasil (sob os estados do Pará, Amapá e Amazonas) é considerado o maior aquífero do mundo em volume de água disponível; o Aquífero Guarani é outra grande reserva, localizada no Uruguai, Argentina, Paraguai e Brasil; muito próximo da América do Sul, a Antártida é a maior reserva de água doce congelada no mundo (e que também contém importantes minerais estratégicos). Ademais, a venezuelana PDVSA é atualmente a petrolífera com maiores reservas de petróleo do mundo e, no Brasil, existe uma grande área de reservas petrolíferas (o pré-sal). Ora, diante dessa abundância de recursos naturais na região, torna-se evidente que a neocolonização estadunidense que está em andamento tem como objetivo obter o controle de todos esses recursos. Na Argentina, esse processo de neocolonização ocorre por meio de um presidente democraticamente eleito, que tem transformado o Estado numa espécie de “Estado corporativo” que representa bancos e multinacionais, com CEO's como ministros. Cortes drásticos nos orçamentos da educação e das políticas sociais, gerando aumento do desemprego e da pobreza, são reflexos evidentes da neocolonização na Argentina. Somado a isso tudo, recentemente o presidente argentino selou um acordo com o governo estadunidense para a instalação de duas bases militares no país: uma em Ushuaia, que é muito próxima à Antártida, e outra na Tríplice Fronteira (Brasil-Argentina-Paraguai), onde está localizado o coração do Aquífero Guarani – este fato demonstra que a soberania econômica e política da Argentina está ruindo (2). O Paraguai, em 2012, sofreu um golpe de Estado e já possui base militar estadunidense em seu território (3). No Brasil de 2016, a neocolonização conseguiu destituir, por meio de um novo tipo de golpe de Estado, um governo que, nos últimos anos, promoveu inclusão social a uma grande parte da população. Portanto, muitos acontecimentos recentes indicam que a América do Sul corre o sério risco de ser devastada por grandes corporações que irão saquear o máximo que podem os seus recursos naturais e, exatamente por isso, os regimes totalitários de alto grau tenderão a se proliferar no continente. Consequentemente, a distância entre ricos e pobres irá aumentar, o que certamente irá multiplicar os conflitos sociais... Além do estudo encomendado pela Nasa, existem outros estudos que até consideram a hipótese de o colapso da civilização ocorrer em apenas quinze ou vinte anos. De qualquer modo, muita coisa indica que, seja cedo ou um pouco mais tarde, a humanidade, caso queira sobreviver, terá que se reinventar por meio de um novo direcionamento dos conflitos sociais que irão se multiplicar: um novo modo de pensar a política, um novo modo de pensar a existência que ganhamos, uma outra relação com o mundo em que vivemos... Afinal de contas, o que estamos presenciando na América do Sul em 2016 é apenas mais um sinal do desespero do capitalismo para prolongar a sua existência, mesmo que seja numa “Unidade de Terapia Intensiva”.

1. O estudo “Human and nature dynamics (HANDY): Modeling inequality and use of resources in the collapse or sustainability of societies”, está disponível em http://goo.gl/2rq6VY
Há um texto de José de Souza Castro, “O colapso da civilização”, com comentários sobre esse estudo: https://goo.gl/xbZLpL

2. Texto de José Carlos de Assis, “Macri abre a Argentina para duas bases dos Estados Unidos”: https://goo.gl/Xq33FA 
Entrevista com Ricardo Alberto Arrúa, “Tríplice Fronteira: gigante cobiçado”: http://goo.gl/j2Yxfs

3. Reportagem da EBC, “Instalação militar norte-americana no Paraguai gera polêmica”: http://goo.gl/PFGGJH

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Aforismo publicado no livro Simplicidade Impessoal (2019), de Amauri Ferreira.

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